
Tadeu
Jungle - SEM TÍTULO - 1981
Há
quem pense que a visualidade em poesia, tal como a encontramos na
atualidade (utilizando recursos poucos, ou alta tecnologia) seja
coisa passageira, simples modismo; mas, em verdade, essa visualidade
veio para ficar.
Augusto
de Campos
1. Tornou-se comum, de um tempo para cá,
a utilização do termo poesia visual, sempre que nos
referimos a um tipo de fatura que utiliza, predominantemente, códigos
que apelam à visão. Termo um tanto limitador, diria,
sem dúvida alguma. Esta denominação, bem como
o complexo universo que ela abarca (alcançando - além
da visão - outros sentidos, como a audição
e o tato) não é fenômeno brasileiro e sim também
brasileiro: a poesia visual, o procedimento, pode ser detectado
em diversos países, tais como Itália, Alemanha, Rússia,
Portugal, EUA e outros, mesmo quando não adota o nome. Por
outro lado, é bom deixar claro que a incorporação
de visualidade em poesia não é invenção
dos Modernismos, mas foi aí que a atitude passou a ser plenamente
consciente, perseguida e, mesmo, exacerbada.
2. Tendo lugar já numa época de
pós-modernidade (ou de pós-utopia, como quis Haroldo
de Campos) a poesia visual e, especificamente a brasileira, apresenta-se
como um desdobramento daquela que foi a grande contribuição
brasileira ao Modernismo mundial: a Poesia Concreta - anos '50 e
'60. Porém, distingue-se dela em alguns aspectos, considerando
aqueles seus momentos de eclosão e desenvolvimento imediato.
A chamada poesia visual brasileira começa a se configurar
a partir da primeira metade dos anos '70, dentro da Era Pós-Verso
(instaurada pelos concretistas: ..."dando por encerrado o ciclo
histórico do verso"... Plano-Piloto... 1958). Era Pós-Verso,
apesar do verso e isto é válido não só
para o Brasil, mas para outras tradições, onde a repercussão
de certas vanguardas poéticas não chegou a abalar
de modo fatal a arraigada atividade do versejar. Ou seja: de qualquer
maneira, não se pode querer versejar, em pleno início
de terceiro milênio, como se fazia antes do aparecimento do
verso livre, da incorporação programática da
visualidade ao poema etc, sob o pretexto de um vale-tudo, de um
revival, o que caberia numa complacente pós-modernidade.
Vanguardismos à parte, as coisas sempre estiveram e estarão
abertas à experimentação e, só fica
mesmo a obra que, de alguma maneira, acrescenta algo ao já
feito (e sempre é tão pouco, como disseram Pound e
Pessoa).
3. Desvestidos das denominações
de concretismo, poema-processo etc, começaram a publicar
- principalmente em São Paulo (capital e interior, mas com
ocorrências menos intensas em outras áreas do Brasil)
uma poesia mais 'formalista', em revistas e edições
autônomas - poetas que seriam os fazedores dessa que se convencionou
chamar POESIA VISUAL: Villari Herrmann, Erthos Albino de Souza,
Lenora de Barros, Walter Silveira, Paulo Miranda, Tadeu Jungle,
Arnaldo Antunes, Júlio Mendonça, Aldo Fortes, além
de outros. Esses poetas viriam a cumprir um destino especial nessa
Era Pós-Verso: o de manter viva a chama da experimentação.
4. Para aqueles que têm definido poesia
como "a arte da palavra", pode parecer uma inconseqüência
falar-se em "poesia visual". Quando muito, admitem a visualidade
como um aspecto lateral da poesia, algo de somenos importância.
Há, porém, os que colocam/colocaram os aspectos visuais,
juntamente com as palavras, como algo de estrutural em poesia, principalmente
- mas até mesmo antes - a partir de Mallarmé e o Un
coup de dés..., chegando ao máximo, dentro dos modernismos/vanguardismos
com a Poesia Concreta e desdobramentos. Porém, quando se
trata de fatura onde o verbal é abolido (ou supostamente
abolido) as coisas se complicam e há quem não admita
a sua existência dentro do mundo dito da POESIA (quem seria
o dono de quê?).
5. (Até poderia afirmar que a visualidade,
aspecto lateral durante cerca de dois milênios e meio de poesia
escrita, tempo em que a corrente principal foi a da poesia entendida
como a arte da palavra, por excelência, passou, durante o
século XX, era dos Modernismos, a ser a corrente principal,
a mais inventiva, a mais comprometida com a experimentação.)
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Walter
Silveira
SEM TÍTULO - 1981
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Aldo
Fortes
CAGE - 197?
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Villari
Hermann
SEM TÍTULO - 1969-1971
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6. A Poesia Visual - uma poesia
na era pós-verso - quase nunca abdica das palavras, mas,
acredito, pode haver poesia sem palavras e afirmo: assim como a
Poesia Concreta mostrou, ao contrário do que muitos pensavam
e ainda pensam, que é possível fazer-se poesia sem
verso, é possível fazer-se poesia sem palavras (muitos
tentaram; poucos tiveram sucesso). Porém, a fatura estará
aspirando à condição da palavra, ou esta comprecerá,
nem que seja no título, que passa a integrar de maneira estrutural
a peça (como ensinou Duchamp).
7. Se fôssemos sondar as origens remotas
da poesia visual, teríamos de regredir milênios, o
que escapa aos propósitos específicos destas anotações.
A rigor, a visualidade em poesia começa propriamente com
a escrita (sem considerar o fenômeno fanopaico, uma outra
visualidade) e, já na Antigüidade, houve quem perseguisse
a visualidade gráfica, tradição que, com maior
ou menor insistência, estendeu-se pelo Ocidente até
o século XX e o momento atual. Porém, considerando
nacional e/ou internacionalmente, a grande fonte da poesia visual
brasileira, desta poesia brasileira da era pós-verso, foi
o trabalho desenvolvido pelo Concretismo, movimento vanguardista
que contou fundamentalmente com brasileiros em sua gênese.
Ou seja, a poesia visual brasileira entra como um desdobramento,
em linha direta, da Poesia Concreta, não sendo, no entanto,
poesia concreta. Também recebeu influências outras,
como do poema-processo - anti-verborrágico radical, mas com
pouca qualidade gráfica em seus primeiros momentos - da POP
ART, dos ready-mades duchampianos, entre outras. Prossegue com uma
tradição de experimentação e rigor,
sem continuísmo. Rigor, diga-se, de uma seriedade ultrapassando,
às vezes, o limite do suportável!
8. Nos anos '70, no Brasil, ao lado de uma poesia
tendente ao coloquial, descuidada de formalismos - a chamada Poesia
Marginal - desenvolveu-se uma poesia de linha mais construtiva,
mais formalista, cujos poetas veicularam suas produções,
principalmente em revistas, como CÓDIGO, ARTÉRIA,
POESIA EM GREVE, QORPO ESTRANHO, MUDA, ZERO À ESQUERDA, KATALOKI,
ATLAS e outras e edições autônomas (poemas publicados
separadamente). Só que, dentro dessa linha mais construtivo-formalista,
já se observavam duas tendências: uma mais verbalista
e que, depois, passaria a revalorizar o verso como unidade básica
do poema; outra mais intersemiótica que, sem deixar de lado
o verbal, valorizava a visualidade como elemento estrutural do poema
e pretendia uma verdadeira fusão de códigos (já
nem era mais a abolição do verbal ou sua quase supressão
o que interessava, mas fusões de códigos). Ao mesmo
tempo, essa vertente que valorizava os vários códigos
da visualidade, passava a valorizar as novas tecnologias, pensando
poemas para serem veiculados nos vários meios: tanto melhor
é, o poema que permite, sem perda da informação
propriamente poética, seu trânsito pelos vários
meios (aí, encontramos operando, desde poetas veteranos,
como Augusto de Campos, passando por Walter Silveira, Arnaldo Antunes,
Paulo Miranda, Lenora de Barros, Sebastião Nunes, Avelino
de Araújo, até os mais novos, como João Bandeira,
André Vallias, Lúcio Agra, Élson Fróes,
entre outros - da página ao cartaz, do vídeo à
REDE, adentrando a nova década, século, milênio).
Daí temos faturas intersemióticas multi/intermeios.
Em verdade, como já foi dito, encontraremos, mais uma continuidade,
num processo de radicalização, que uma ruptura, da
Poesia Visual com relação à Poesia Concreta.
Humor. O humor sempre presente.
9. A denominação Poesia Visual,
em última instância, é incompleta, insuficiente,
quando não, errônea, mas já se vem consagrando.
O melhor seria chamar essa, de Poesia Intersemiótica Multi/Intermídia
da Era Pós-Verso. (Nos idos dos anos 70 usou-se o termo feliz
poesia interse-miótica para designar um certo tipo de poesia
que transitava entre códigos, mas que tinha nos códigos
da visualidade o seu forte. Daí a utilizar a denominação
POESIA VISUAL, não foi muito difícil e o termo pegou
e se consagrou. Porém, muito mais adequado é o termo
Poesia Intersemiótica, porque ela o é de fato. Ela
não prescinde do verbal, o qual se encontra explícito
e/ou camuflado, fundido com os códigos da visualidade). Mesmo
delimitando o terreno onde seus poetas operaram/operam, estes não
chegaram a formar um grupo, como se entendia dentro do Modernismo
histórico. São poetas com pontos em comum; pertencem
a uma mesma estirpe; sem programas expressos através de manifestos.
10. Colocando a visualidade como ponto central
dessa poesia, que não despreza outros aspectos, esses poetas
dão uma resposta adequada às exigências da época
de hoje, época esta em que a maior parte das informações
adquiridas o são através do sentido da visão.
Essa poesia é também rara, o que a tem tornado uma
poesia para poucos: leitores
muito especiais.
BIBLIOGRAFIA
.CAMPOS,
Haroldo de - "Poesia e Modernidade: o Poema Pós-Utópico".
In: FOLHETIM 404, suplemento do jornal
FOLHA DE SÃO PAULO, de 14-10-1984.
.JUNGLE, Ted (Tadeu). Freqüência das aranha: pega
na minha. São Paulo, Edições Bacana,
1981.
.KHOURI, Omar. Poesia Visual Brasileira: uma Poesia na Era
Pós-Verso. Tese de Doutorado apresentada junto ao Programa
de Estudos Pós-Graduados em Comunicacão e Semiótica
da PUC-SP. São Paulo, 1996. (Trab. ainda inédito).
.VILLARI HERRMANN - 4 Poemas. São Paulo, S.T.R.I.P.,
1971.
.AGRÁFICA.
São Paulo, Entretempo, 1987.
.ARTÉRIA V. São Paulo, Nomuque Edições,
1991.
.ATLAS. São Paulo, Vários Editores, 1988.
.KATALOKI (ALMANAK 81). São Paulo, Ed. A. Antunes
e outros, 1981.
.PORANDUBAS. São Paulo, PUCSP, 1977.
.ZERO À ESQUERDA. São Paulo, Nomuque Edições,
1981.
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Omar
Khouri
Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Poeta, artista gráfico e professor da FACOM-FAAP e do IA-UNESP
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