Globalização: perspectivas teóricas das relações internacionais
Introdução Uma extensa literatura tratou de oferecer explicações
com as mais diversas ênfases, para o fenômeno da globalização,
algumas mais pessimistas outras mais otimistas em relação
às suas conseqüências. Ainda hoje, não há
um consenso, sobretudo quando se trata de analisar o impacto desse fenômeno
sobre os denominados “países emergentes”. A Perspectiva Neo-Institucionalista (ou Globalista) É preciso que se diga ainda, dado o caráter da produção teórica no campo das relações internacionais, que os diferentes approachs globalistas, assim como os de outras perspectivas teóricas, assumem um viés normativo e, nesse sentido, podemos afirmar que o debate entre neo-realistas e globalistas reflete a histórica divisão ética e epistêmica das concepções clássicas das relações internacionais, manifesta sob a forma de realismo versus idealismo. Assim, ainda que os teóricos globalistas incorporem em seus estudos sobre a realidade internacional elementos e procedimentos característicos das ciências experimentais nascidas na tradição positiva e, como consequência, designadas como realistas, o produto de seu trabalho assume configuração, no mínimo, possibilista relativamente aos problemas internacionais na medida em que aí se observam possibilidades concretas de consecução de um sistema de relacionamento entre nações não mais moldado pela excludência de interesses, mas racionalmente ordenado por cooperação para ganhos compartilhados. É importante ressaltar, por outro lado, que os pressupostos teóricos do globalismo estão, de uma forma geral, associados à lógica do racionalismo econômico em sua origem, isto é, encontram-se impregnados pelo pensamento econômico liberal já manifesto na teoria econômica ricardiana. Nesse sentido, para o pensamento globalista, a economia emergindo como fator explicativo básico das relações internacionais, em lugar da distribuição do poder mundial característica da concepção neo-realista dessa realidade, implicaria o surgimento de novas estruturas de fundamental importância para o desenho do sistema internacional atual. É o caso do complexo de relações estabelecidas a partir da existência de organizações com interesses de natureza invidualizada e diversificada tais como as organizações multilaterais do sistema ONU, das ONGs e das empresas transnacionais. Na medida em que o livre mercado venha a maximizar os ganhos desses novos atores internacionais, abre-se a perspectiva do desenvolvimento de novos procedimentos de tomada de decisão para a implementação de escolhas coletivas não mais centralizados pelo Estado. Aqui se observa a diferença de fundo dessa concepção teórica, relativamente ao neo-realismo, pois a ruptura do vínculo entre território e poder político concentrado na figura do Estado implicaria a perda de exclusividade da ação internacional por parte deste ator. Naturalmente, alguns globalistas, como os seus precursores Keohane e Nye(1989), procuram relativizar tal posição ressaltando o papel central que o Estado ainda ocupa como ator principal das relações internacionais, mas a rede complexa de interesses e o declínio relativo do poder militar como poder determinante das relações internacionais conferem ao Estado um papel diferente do que até então desempenhava na cena internacional. É óbvio que estes autores não descartam elementos da visão realista, mas flexibilizam bastante alguns de seus pressupostos mais importantes. A ação do Estado, dada a situação de interdependência entre as nações resultante dessa teia complexa de interesses de agentes internacionais não estatais, transformando-se em interdependência complexa, deve estar pautada pela racionalidade que, neste caso, refere-se à avaliação dos chamados custos de transação. Dessa maneira, os Estados continuam buscando poder e calculando seus próprios interesses e com isso se pode rejeitar a idéia de benefícios mútuos nas relações entre Estados e se apresenta uma situação de interdependência assimétrica nas relações internacionais. No entanto, o poder deixa de ser sempre o maior interesse em todos os casos na ação dos Estados. A lógica a presidir a decisão sobre uma ação estatal passa a ser não somente o custo de eventualmente se fazer ou não alguma coisa, mas, também, o custo de deixar de se fazer ou não tal coisa. Se apresenta, então, como real possibilidade para as relações internacionais, inclusive de caráter estatal, a cooperação. Na verdade, Keohane e Nye(1989) basearam a teoria da interdependência complexa, dando corpo à uma teoria globalista de relações internacionais, pensando num modelo explicativo anterior da realidade internacional conhecido como teoria da estabilidade hegemônica, elaborado pelo economista Charles Kindleberger (1974). Tal modelo supunha que a eventual estabilidade alcançada no sistema internacional dependia fundamentalmente da existência de uma liderança unilateral definida por uma potência dominante, sem um aparato institucional. Contra tal perspectiva, tanto Keohane, quanto Nye se colocam contrariamente utilizando o exemplo do império inglês que, em suas visões, jamais teria conseguido instaurar a establidade mesmo enquanto potência hegemônica. O motivo para tanto é que em nenhum momento ao longo so século XIX a Grã-Bretanha imprimiu uma marca no sistema internacional, isto é, constituiu um regime internacional, dotado de organismos supra ou intergovernamentais capazes de assegurar até o mesmo o livre comércio na economia internacional. Esta situação se diferencia profundamente da liderança desenvolvida pelos Estados Unidos após a II Grande Guerra. A política americana sempre esteve, como se observa presentemente, após 30 de setembro de 2001, respaldada por mecanismso multilaterais de conciliação de interesses. É natural que se suponha, também, que a existência
de mecanismos desse tipo dependa basicamente da ação de
uma grande potência. Contudo, o surgimento de um sem número
de instituições e organizações com diferentes
preocupações e interesses, faz do sistema multilateral um
importante elemento para a compreensão e consecução
da ordem internacional na medida em que permite a efetivação
daquilo que autores como Krasner (1982), Held (2001) e Young (1980) denominam
regimes internacionais. Como resultado, a cooperação pode passar a
caracterizar as relações internacionais na medida em que
soluções mais satisfatórias para os problemas internacionais
passem a ser negociadas pelos atores, o mesmo não acontecendo por
meio de negociações bilaterais ou ações unilaterais.
O próprio do direito internacional se modificaria a partir disso. A consideração das assimetrias como parte essencial dos problemas internacionais e uma manifestação renovada das disputas entre nações, caracterizando um desses grupos da teoria globalista, dá margem a pensar que tal teoria é pura e simplesmente uma complementação do pensamento realista, ou neo-realista. Por outro lado, o grupo de pensadores globalistas, considerados globalistas puros, encaram a realidade internacional como uma nova realidade que, resultante do fenômeno da globalização, tem irreversivelmente a economia como fator explicativo determinante das relações internacionais e uma vez que as relações econômicas assumam uma configuração livre, isto é, que se instaure de fato o livre comércio nas relações internacionais, e, por consequência, vigorem as regras de concorrência perfeita, as vantagens de todos os atores serão maximizadas. Nessa perspectiva se coloca Rosencrance(1990) que, amparado pelas teorias liberais clássicas da economia, enxerga os mercados como únicos reguladores possíveis das relações internacionais. O livre comércio permitiria o funcionamento dos mercados como eficientes mecanismos de equilílibrio nas relações entre as nações. O sistema internacional se transformaria, portanto, num sistema de relações entre nações “comerciantes”. Finalmente, como resultado do desenvolvimento da teoria globalista das relações internacionais, uma grande linha de discussão e argumentação tem ocupado seus teóricos atualmente. Tal debate diz respeito às mudanças estruturais na organização das sociedades, ou seja, na forma como as questões internacionais afetam ou são afetadas pelo comportamento das políticas domésticas. Nesse sentido, autores como Milner (1998) têm examinado
como os atores domésticos e seus interesses de grupo influenciam
a tomada de decisão dos Estados e, naturalmente, como esses grupos
e interesses se relacionam com a realidade externa. Ganha dimensão nessa perspectiva o fato de que a globalização avança de forma assincrônica, de tal sorte que, mesmo que motivado por questões econômicas, esse fenômeno revela, em várias situações, maior intensidade em outros campos da realidade. Este argumento se sustentaria na visão desses autores pela maior identificação dos interesses extra-econômicos dos Estados observada na realidade atual, como resultado da assimetria reinante entre estes no campo econômico. Mas ainda com relação ao objeto de preocupação dos estudiosos da política doméstica como elemento explicativo das relações internacionais é que, assumindo a postulação básica da perspectiva globalista como um todo, encontra-se centrado nos interesses econômicos e na forma como os diferentes grupos nacionais se articulam, inclusive externamente, em torno deles. Para esses estudiosos, portanto, o conhecimento dos fenômenos políticos atuais depende fundamentalmente da compreensão dos comportamentos de grupos tais como os sindicatos patronais e trabalhadores e os partidos políticos que, respectivamente, os representam. É por esse motivo que alguns consideram tais estudiosos como aqueles que vêm resgatar o marxismo como uma perspectiva de análise das relações internacionais. Assim, o que é fundamental destacar quanto aos diferentes approachs da perspectiva teórica globalista de análise das relações internacionais é que, em sua maior extensão, estão sustentados por uma percepção da estrategização das relações econômicas em substituição às relações militares de poder nas relações internacionais como fator determinantes destas relações, conforme a perspectiva neo-realista. A título de conclusão, a partir do quadro
resumidamente traçado sobre a perspectiva liberal das relações
internacionais, podem ser destacadas três questões a serem
consideradas na análise das relações internacionais
e que destacam a relevância dessa perspectiva teórica para
a análise das relações internacionais na atualidade: A Perspectiva Neo-Realista Dessa maneira, a concepção que se formula no campo teórico neo-realista, a respeito do fenômeno da globalização e dos seus efeitos, difere da perspectiva anterior, ao observar que as mudanças ocorridas no sistema internacional, no período pós-Guerra Fria, implicaram um reordenamento no que diz respeito à distribuição do poder mundial, mas propriamente na natureza do sistema internacional, estruturado em bases assimétricas de poder. Neste sentido, embora tenham ocorrido mudanças significativas do ponto de vista sistêmico, o sistema e a relação entre os atores internacionais continuam sendo definidos a partir de uma relação de poder. A ruptura do sistema bipolar pode ser analisada, portanto, como um reordenamento caracterizado por um novo equilíbrio de poder, derivado do desaparecimento de uma das superpotências, e da expectativa de afirmação da liderança hegemônica dos Estados Unidos. Essa percepção reforça a idéia de centralidade do Estado e enfatiza a sua importância, num contexto – definido pelos globalistas – em que este ator “perdia” poder político e via sua capacidade de atuação internacional comprometida pelo surgimento de novos atores internacionais e pela vulnerabilidade das suas fronteiras, imposta pela transnacionalização. O papel do Estado é, portanto, um dos temas mais discutidos dentro do debate teórico das relações internacionais entre neo-institucionalistas e neo-realistas, e que se aprofunda na década de 80. Basicamente porque todos os efeitos da globalização obrigavam o Estado a redefinir o seu papel e seu espaço no sistema internacional, disputado por atores da mesma natureza e invadido também por novos atores não-estatais. A nova conjuntura despolarizada leva à retomada de conceitos realistas para explicar que, embora tenha havido um declínio do poder militar, e os interesses tenham se aprofundado num cenário de interdependência complexa, a estrutura do sistema internacional continua sendo definida pelos Estados, ainda movidos pela maximização dos seus ganhos relativos. Kenneth Waltz (1979), um dos principais autores da corrente neo-realista, enfatiza a prevalência do político sobre o econômico. Este contexto, caracterizado pela hierarquia, tanto no plano conceitual, quanto na relação de poder entre os atores, revela um sistema no qual o processo decisório cabe, exclusivamente, aos Estados soberanos. Como, para os neo-realistas, o sistema internacional continua sendo anárquico, cada Estado busca, como objetivo principal, manter o seu poder de forma a ter garantida sua autonomia. Tal autonomia passa a ser importante à medida que as relações se tornam cada vez mais complexas, novos atores ganham espaço e o mundo continua mantendo uma estrutura hierárquica. Significa que manter o poder se torna também mais complexo. Embora novos atores – como, por exemplo, as organizações internacionais, empresas transnacionais e organizações não-governamentais – detenham mais poder no ambiente “globalizado”, os Estados continuam sendo atores centrais. Agora não mais entendido como um ator que age movido, exclusivamente, pelo seu caráter egoísta – como preconizava a vertente clássica das teorias de relações internacionais – mas como um ator racional, o Estado age de acordo com as oportunidades e limitações do sistema, definindo uma agenda de ação estratégica que passa a ser fundamental para delimitar as relações, e permite determinar os diferenciais de poder entre os atores e a focalizar os potenciais de conflito e de instabilidade. Em contraposição à perspectiva neo-institucionalista,
autores neo-realistas como Grieco (1990) e Krasner (1982), voltam a reafirmar
a idéia de que os Estados estão preocupados com a segurança
e com sua posição relativa no sistema e, portanto, movidos
pela disputa pelo poder. Dessa forma, retomam o pessimismo realista em
relação às possibilidades de cooperação. Em sentido oposto, os neo-realistas pouco acreditam na cooperação, já que os Estados são movidos pelo objetivo de impedir que outros possam aumentar o seu poder relativo e por garantir seu espaço de forma permanente numa estrutura vertical. Para essa vertente, portanto, as instituições internacionais afetariam as perspectivas de cooperação internacional apenas de forma marginal, e não seriam capazes de alterar a natureza e os interesses dos Estados, pois a estrutura assimétrica do poder mundial é refletida na estrutura dessas organizações cujas regras são fragilizadas e cujo processo decisório está sempre submetido ao poder das grandes potências. Por esta razão, os Estados só aceitam cooperar
– seja no âmbito multilateral, seja no âmbito regional
– caso os seus ganhos políticos possam ser, quantitativamente,
mensurados diante da complexidade cada vez maior das relações
internacionais. Para a corrente neo-realista, o equilíbrio de poder
alcançado com o fim da Guerra Fria levou à concentração
de poder num conjunto de países, em que os Estados Unidos permaneciam
como a grande potência, compartilhando o poder com outros países
como Alemanha e Japão, potências econômicas na nova
redistribuição de poder. É justamente a concentração de recursos
econômicos em algumas potências que subsidia o argumento realista
de que o sistema internacional estatal, e a relação entre
elas, continua sendo a estrutura dominante. E a desigualdade de capacidade
dos Estados leva ao conflito internacional, resolvido pelo equilíbrio
de poder. Para resumir as principais questões1 levantadas pela perspectiva neo-realista que a colocam como contraponto do debate com os neo-institucionalistas, podemos destacar: 1) A política continua mantendo a sua centralidade
e as relações internacionais continuam sendo pautadas pela
política de poder. Considerações Finais Derivada das percepções divergentes sobre a estrutura do sistema internacional, o papel do Estado e de outros atores internacionais, e das relações entre eles, cada uma das perspectivas teóricas entende de uma maneira o reordenamento internacional que se configura na década de 90, marcado pela mudança do sistema bipolar para um multilateralismo que inclui atores de naturezas diversas. Nesse sentido, as duas vertentes têm também interpretações diversas sobre o fenômeno e os efeitos da globalização. Enquanto os realistas continuam acreditando na centralidade do Estado e na sua capacidade de definir e de mudar a estrutura do sistema internacional, com base no seu poder político, os globalistas acreditam nas mudanças irreversíveis provocadas pela globalização e na ampliação da capacidade de ação internacional de novos atores internacionais. Essa perspectiva vem mudar a percepção sobre as possibilidades de cooperação e de estabilidade internacional, contestada pelos neo-realistas. É por esta razão que as alternativas que se discutem atualmente focam justamente no papel das organizações internacionais como espaços capazes de propiciar esta cooperação. E fica claro que, no âmbito das relações internacionais, a discussão sobre o papel das instituições multilaterais ganha mais espaço à medida que os efeitos da globalização se aprofundam e os países buscam alternativas para participar de forma mais positiva do sistema internacional. |
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________________________________________________________________________________________________________ Janina Onuki é
Cientista Política, Doutoranda em Ciência Política
pela USP. Professora de Relações Internacionais da FAAP,
pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais
da USP e Vice-Presidente do Fórum Universitário Mercosul. |
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