Globalização: perspectivas teóricas das relações internacionais


J. Carlos Racy e Janina Onuki (*)

Resumo: O artigo tem o objetivo de apresentar o debate teórico, no campo das relações internacionais, entre as corrrentes neo-realista e neo-institucionalista, buscando enfatizar os conceitos principais de cada uma das perspectivas e, dessa forma, compreender as divergências sobre o ordenamento do sistema internacional, os atores principais, e o conceito de globalização.

Palavras-chave: neo-realismo, neo-institucionalismo, globalização, teorias de relações internacionais.

Introdução
Globalização tornou-se um termo bastante comum na década de 90, geralmente associado às grandes mudanças ocorridas no sistema econômico internacional, resultantes do aprofundamento das relações de interdependência entre diversos atores internacionais (estatais e não-estatais). Embora o impacto econômico tivesse sido mais evidente (porque possível de se quantificar), os efeitos da globalização foram caracterizados por um conjunto de mudanças em diversas áreas, tanto no âmbito econômico quanto no político, social e cultural, cada qual avançando em uma determinada velocidade.
Do ponto de vista das relações internacionais, essas transformações, embora viessem evoluindo num processo caracterizado pelo aprofundamento do que Keohane e Nye(1989) chamaram de “interdependência complexa”, ganham uma nova dimensão com a despolarização do sistema internacional no período pós-Guerra Fria. A mudança do modelo de sistema internacional obrigou, não apenas à reformulação de posturas dos países em relação ao mundo, mas à reformulação dos conceitos que antes o definiam.

Uma extensa literatura tratou de oferecer explicações com as mais diversas ênfases, para o fenômeno da globalização, algumas mais pessimistas outras mais otimistas em relação às suas conseqüências. Ainda hoje, não há um consenso, sobretudo quando se trata de analisar o impacto desse fenômeno sobre os denominados “países emergentes”.
O fato é que a globalização ganhou “status” de novo paradigma da década de 90, mas não se produziu uma explicação aceita por todas as vertentes teóricas e a discussão permanece. O objetivo deste artigo é dar um tratamento teórico à questão, enfocando como as teorias das relações internacionais interpretam o conceito da globalização e os seus efeitos. Em duas partes, o artigo apresenta o debate entre neo-institucionalistas e neo-realistas e suas concepções sobre o sistema, os atores internacionais, os efeitos e as alternativas para a globalização.

A Perspectiva Neo-Institucionalista (ou Globalista)
A perspectiva globalista, assim como a neo-realista, pode ser fracionada por um sem número de abordagens, refletindo diferentes enfoques sobre as relações internacionais. Desde a teoria da interdependência elaborada por Keohane e Nye (1989) como uma tentativa de dar resposta mais satisfatória à realidade internacional contemporânea, em rápida transformação e, nesse sentido, buscando superar uma visão do sistema internacional determinado por uma situação de estabilidade hegemônica, até a concepção de Rosencrance(1990) de relações internacionais governadas por conjuntos de princípios e procedimentos de tomada de decisão para fazer e implementar escolhas coletivas, os assim denominados regimes internacionais, as diversas nuances teóricas das relações internacionais globalistas assumem pelo menos um elemento comum de identificação, o de que o mundo passa por transformações estruturais que vêm se consubstanciando naquilo que convencionalmente temos chamado de globalização.

É preciso que se diga ainda, dado o caráter da produção teórica no campo das relações internacionais, que os diferentes approachs globalistas, assim como os de outras perspectivas teóricas, assumem um viés normativo e, nesse sentido, podemos afirmar que o debate entre neo-realistas e globalistas reflete a histórica divisão ética e epistêmica das concepções clássicas das relações internacionais, manifesta sob a forma de realismo versus idealismo.

Assim, ainda que os teóricos globalistas incorporem em seus estudos sobre a realidade internacional elementos e procedimentos característicos das ciências experimentais nascidas na tradição positiva e, como consequência, designadas como realistas, o produto de seu trabalho assume configuração, no mínimo, possibilista relativamente aos problemas internacionais na medida em que aí se observam possibilidades concretas de consecução de um sistema de relacionamento entre nações não mais moldado pela excludência de interesses, mas racionalmente ordenado por cooperação para ganhos compartilhados.

É importante ressaltar, por outro lado, que os pressupostos teóricos do globalismo estão, de uma forma geral, associados à lógica do racionalismo econômico em sua origem, isto é, encontram-se impregnados pelo pensamento econômico liberal já manifesto na teoria econômica ricardiana.

Nesse sentido, para o pensamento globalista, a economia emergindo como fator explicativo básico das relações internacionais, em lugar da distribuição do poder mundial característica da concepção neo-realista dessa realidade, implicaria o surgimento de novas estruturas de fundamental importância para o desenho do sistema internacional atual. É o caso do complexo de relações estabelecidas a partir da existência de organizações com interesses de natureza invidualizada e diversificada tais como as organizações multilaterais do sistema ONU, das ONGs e das empresas transnacionais.

Na medida em que o livre mercado venha a maximizar os ganhos desses novos atores internacionais, abre-se a perspectiva do desenvolvimento de novos procedimentos de tomada de decisão para a implementação de escolhas coletivas não mais centralizados pelo Estado.

Aqui se observa a diferença de fundo dessa concepção teórica, relativamente ao neo-realismo, pois a ruptura do vínculo entre território e poder político concentrado na figura do Estado implicaria a perda de exclusividade da ação internacional por parte deste ator.

Naturalmente, alguns globalistas, como os seus precursores Keohane e Nye(1989), procuram relativizar tal posição ressaltando o papel central que o Estado ainda ocupa como ator principal das relações internacionais, mas a rede complexa de interesses e o declínio relativo do poder militar como poder determinante das relações internacionais conferem ao Estado um papel diferente do que até então desempenhava na cena internacional. É óbvio que estes autores não descartam elementos da visão realista, mas flexibilizam bastante alguns de seus pressupostos mais importantes.

A ação do Estado, dada a situação de interdependência entre as nações resultante dessa teia complexa de interesses de agentes internacionais não estatais, transformando-se em interdependência complexa, deve estar pautada pela racionalidade que, neste caso, refere-se à avaliação dos chamados custos de transação.

Dessa maneira, os Estados continuam buscando poder e calculando seus próprios interesses e com isso se pode rejeitar a idéia de benefícios mútuos nas relações entre Estados e se apresenta uma situação de interdependência assimétrica nas relações internacionais.

No entanto, o poder deixa de ser sempre o maior interesse em todos os casos na ação dos Estados. A lógica a presidir a decisão sobre uma ação estatal passa a ser não somente o custo de eventualmente se fazer ou não alguma coisa, mas, também, o custo de deixar de se fazer ou não tal coisa. Se apresenta, então, como real possibilidade para as relações internacionais, inclusive de caráter estatal, a cooperação.

Na verdade, Keohane e Nye(1989) basearam a teoria da interdependência complexa, dando corpo à uma teoria globalista de relações internacionais, pensando num modelo explicativo anterior da realidade internacional conhecido como teoria da estabilidade hegemônica, elaborado pelo economista Charles Kindleberger (1974). Tal modelo supunha que a eventual estabilidade alcançada no sistema internacional dependia fundamentalmente da existência de uma liderança unilateral definida por uma potência dominante, sem um aparato institucional.

Contra tal perspectiva, tanto Keohane, quanto Nye se colocam contrariamente utilizando o exemplo do império inglês que, em suas visões, jamais teria conseguido instaurar a establidade mesmo enquanto potência hegemônica. O motivo para tanto é que em nenhum momento ao longo so século XIX a Grã-Bretanha imprimiu uma marca no sistema internacional, isto é, constituiu um regime internacional, dotado de organismos supra ou intergovernamentais capazes de assegurar até o mesmo o livre comércio na economia internacional.

Esta situação se diferencia profundamente da liderança desenvolvida pelos Estados Unidos após a II Grande Guerra. A política americana sempre esteve, como se observa presentemente, após 30 de setembro de 2001, respaldada por mecanismso multilaterais de conciliação de interesses.

É natural que se suponha, também, que a existência de mecanismos desse tipo dependa basicamente da ação de uma grande potência. Contudo, o surgimento de um sem número de instituições e organizações com diferentes preocupações e interesses, faz do sistema multilateral um importante elemento para a compreensão e consecução da ordem internacional na medida em que permite a efetivação daquilo que autores como Krasner (1982), Held (2001) e Young (1980) denominam regimes internacionais.
Regimes internacionais significam para tais autores um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão implícitos ou explícitos em torno dos quais se observa convergência de expectativa dos atores em torno de uma questão ou área das relações internacionais. E esses procedimentos de tomada de decisão constituiriam a prática para a implementação de escolhas coletivas no sistema internacional.

Como resultado, a cooperação pode passar a caracterizar as relações internacionais na medida em que soluções mais satisfatórias para os problemas internacionais passem a ser negociadas pelos atores, o mesmo não acontecendo por meio de negociações bilaterais ou ações unilaterais. O próprio do direito internacional se modificaria a partir disso.
Os regimes internacionais, portanto, vistos dessa maneira, podem ser considerados um caminho buscado pelos teóricos globalistas para a e compreensão e consecução da ordem internacional contemporânea, uma vez que esta deixa de se caracterizar por polaridades políticas, militares e ideológicas, ainda que assimetrias permaneçam na realidade internacional.
Assim, a constatação da persistência de assimetrias no sistema internacional leva os teóricos globalistas a dividirem-se em pelo menos dois grupos definidos a partir de suas postulações em torno dessa questão, o que traz implicações, no mínimo, interessantes para o entendimento da teoria em relações internacionais.

A consideração das assimetrias como parte essencial dos problemas internacionais e uma manifestação renovada das disputas entre nações, caracterizando um desses grupos da teoria globalista, dá margem a pensar que tal teoria é pura e simplesmente uma complementação do pensamento realista, ou neo-realista.

Por outro lado, o grupo de pensadores globalistas, considerados globalistas puros, encaram a realidade internacional como uma nova realidade que, resultante do fenômeno da globalização, tem irreversivelmente a economia como fator explicativo determinante das relações internacionais e uma vez que as relações econômicas assumam uma configuração livre, isto é, que se instaure de fato o livre comércio nas relações internacionais, e, por consequência, vigorem as regras de concorrência perfeita, as vantagens de todos os atores serão maximizadas.

Nessa perspectiva se coloca Rosencrance(1990) que, amparado pelas teorias liberais clássicas da economia, enxerga os mercados como únicos reguladores possíveis das relações internacionais. O livre comércio permitiria o funcionamento dos mercados como eficientes mecanismos de equilílibrio nas relações entre as nações. O sistema internacional se transformaria, portanto, num sistema de relações entre nações “comerciantes”.

Finalmente, como resultado do desenvolvimento da teoria globalista das relações internacionais, uma grande linha de discussão e argumentação tem ocupado seus teóricos atualmente. Tal debate diz respeito às mudanças estruturais na organização das sociedades, ou seja, na forma como as questões internacionais afetam ou são afetadas pelo comportamento das políticas domésticas.

Nesse sentido, autores como Milner (1998) têm examinado como os atores domésticos e seus interesses de grupo influenciam a tomada de decisão dos Estados e, naturalmente, como esses grupos e interesses se relacionam com a realidade externa.
Em outra ponta, inclusive, autores como Ruggie (1983) procuram enfatizar a importância da cultura e das idéias para o entendimento das relações internacionais atuais, constituindo uma perspectiva “construtivista” dentro da perspectiva globalista de análise das relações internacionais .

Ganha dimensão nessa perspectiva o fato de que a globalização avança de forma assincrônica, de tal sorte que, mesmo que motivado por questões econômicas, esse fenômeno revela, em várias situações, maior intensidade em outros campos da realidade. Este argumento se sustentaria na visão desses autores pela maior identificação dos interesses extra-econômicos dos Estados observada na realidade atual, como resultado da assimetria reinante entre estes no campo econômico.

Mas ainda com relação ao objeto de preocupação dos estudiosos da política doméstica como elemento explicativo das relações internacionais é que, assumindo a postulação básica da perspectiva globalista como um todo, encontra-se centrado nos interesses econômicos e na forma como os diferentes grupos nacionais se articulam, inclusive externamente, em torno deles. Para esses estudiosos, portanto, o conhecimento dos fenômenos políticos atuais depende fundamentalmente da compreensão dos comportamentos de grupos tais como os sindicatos patronais e trabalhadores e os partidos políticos que, respectivamente, os representam. É por esse motivo que alguns consideram tais estudiosos como aqueles que vêm resgatar o marxismo como uma perspectiva de análise das relações internacionais.

Assim, o que é fundamental destacar quanto aos diferentes approachs da perspectiva teórica globalista de análise das relações internacionais é que, em sua maior extensão, estão sustentados por uma percepção da estrategização das relações econômicas em substituição às relações militares de poder nas relações internacionais como fator determinantes destas relações, conforme a perspectiva neo-realista.

A título de conclusão, a partir do quadro resumidamente traçado sobre a perspectiva liberal das relações internacionais, podem ser destacadas três questões a serem consideradas na análise das relações internacionais e que destacam a relevância dessa perspectiva teórica para a análise das relações internacionais na atualidade:

1) A política, na atualidade, perde sua natureza bidimensional tradicional (interna e externa) na medida em que a política interna de uma nação não pode mais se realizar sem que se considerem suas implicações com a realidade política externa;
2) Como consequência, a perspectiva globalista das relações internacionais assume importância ao menos como suporte à reflexão sobre a realidade política na atualidade;
3) Assim, também, a perspectiva globalista pode ser considerada uma complementação da perspectiva neo-realista e, nesse sentido, assume um papel que excede seu caráter teórico, conforme acontece com todos os outros aportes teóricos nas relações internacionais, revestindo-se da maior importância para a consecução mesmo da realidade.

A Perspectiva Neo-Realista
A segunda vertente teórica das relações internacionais a ser tratada neste artigo, que polariza com a corrente neo-institucionalista (ou globalista), é o neo-realismo. Ao contrário da primeira perspectiva cujos pressupostos associavam-se ao racionalismo econômico e, dessa forma, observavam uma alternativa para a estabilidade do sistema internacional, os princípios da teoria neo-realista estão intimamente associados à perspectiva do poder político.

Dessa maneira, a concepção que se formula no campo teórico neo-realista, a respeito do fenômeno da globalização e dos seus efeitos, difere da perspectiva anterior, ao observar que as mudanças ocorridas no sistema internacional, no período pós-Guerra Fria, implicaram um reordenamento no que diz respeito à distribuição do poder mundial, mas propriamente na natureza do sistema internacional, estruturado em bases assimétricas de poder.

Neste sentido, embora tenham ocorrido mudanças significativas do ponto de vista sistêmico, o sistema e a relação entre os atores internacionais continuam sendo definidos a partir de uma relação de poder. A ruptura do sistema bipolar pode ser analisada, portanto, como um reordenamento caracterizado por um novo equilíbrio de poder, derivado do desaparecimento de uma das superpotências, e da expectativa de afirmação da liderança hegemônica dos Estados Unidos.

Essa percepção reforça a idéia de centralidade do Estado e enfatiza a sua importância, num contexto – definido pelos globalistas – em que este ator “perdia” poder político e via sua capacidade de atuação internacional comprometida pelo surgimento de novos atores internacionais e pela vulnerabilidade das suas fronteiras, imposta pela transnacionalização.

O papel do Estado é, portanto, um dos temas mais discutidos dentro do debate teórico das relações internacionais entre neo-institucionalistas e neo-realistas, e que se aprofunda na década de 80. Basicamente porque todos os efeitos da globalização obrigavam o Estado a redefinir o seu papel e seu espaço no sistema internacional, disputado por atores da mesma natureza e invadido também por novos atores não-estatais.

A nova conjuntura despolarizada leva à retomada de conceitos realistas para explicar que, embora tenha havido um declínio do poder militar, e os interesses tenham se aprofundado num cenário de interdependência complexa, a estrutura do sistema internacional continua sendo definida pelos Estados, ainda movidos pela maximização dos seus ganhos relativos.

Kenneth Waltz (1979), um dos principais autores da corrente neo-realista, enfatiza a prevalência do político sobre o econômico. Este contexto, caracterizado pela hierarquia, tanto no plano conceitual, quanto na relação de poder entre os atores, revela um sistema no qual o processo decisório cabe, exclusivamente, aos Estados soberanos.

Como, para os neo-realistas, o sistema internacional continua sendo anárquico, cada Estado busca, como objetivo principal, manter o seu poder de forma a ter garantida sua autonomia. Tal autonomia passa a ser importante à medida que as relações se tornam cada vez mais complexas, novos atores ganham espaço e o mundo continua mantendo uma estrutura hierárquica. Significa que manter o poder se torna também mais complexo.

Embora novos atores – como, por exemplo, as organizações internacionais, empresas transnacionais e organizações não-governamentais – detenham mais poder no ambiente “globalizado”, os Estados continuam sendo atores centrais. Agora não mais entendido como um ator que age movido, exclusivamente, pelo seu caráter egoísta – como preconizava a vertente clássica das teorias de relações internacionais – mas como um ator racional, o Estado age de acordo com as oportunidades e limitações do sistema, definindo uma agenda de ação estratégica que passa a ser fundamental para delimitar as relações, e permite determinar os diferenciais de poder entre os atores e a focalizar os potenciais de conflito e de instabilidade.

Em contraposição à perspectiva neo-institucionalista, autores neo-realistas como Grieco (1990) e Krasner (1982), voltam a reafirmar a idéia de que os Estados estão preocupados com a segurança e com sua posição relativa no sistema e, portanto, movidos pela disputa pelo poder. Dessa forma, retomam o pessimismo realista em relação às possibilidades de cooperação.
Como frisado na seção anterior, para os neo-institucionalistas, preocupados com os ganhos absolutos que cada ator pode vir a obter num sistema de maior interdependência, o poder não é tão essencial quanto às perspectivas de desenvolvimento econômico. Por esta razão, os regimes e organizações internacionais têm a função de garantir o incentivo para que os atores cooperem e se garanta a estabilidade.

Em sentido oposto, os neo-realistas pouco acreditam na cooperação, já que os Estados são movidos pelo objetivo de impedir que outros possam aumentar o seu poder relativo e por garantir seu espaço de forma permanente numa estrutura vertical. Para essa vertente, portanto, as instituições internacionais afetariam as perspectivas de cooperação internacional apenas de forma marginal, e não seriam capazes de alterar a natureza e os interesses dos Estados, pois a estrutura assimétrica do poder mundial é refletida na estrutura dessas organizações cujas regras são fragilizadas e cujo processo decisório está sempre submetido ao poder das grandes potências.

Por esta razão, os Estados só aceitam cooperar – seja no âmbito multilateral, seja no âmbito regional – caso os seus ganhos políticos possam ser, quantitativamente, mensurados diante da complexidade cada vez maior das relações internacionais.
Assim, é possível confirmar a profunda assimetria de poder que prevalece no sistema internacional pós-Guerra Fria. A perspectiva de estabilidade, derivada da substituição do poder militar pelo poder econômico, rapidamente foi superada pelos vários conflitos “quentes” localizados em diversas partes do mundo. Embora fossem conflitos de naturezas diversas, o reordenamento internacional que se processa no período de transição pós-Guerra Fria leva mais ao conflito, já que cada Estado estava em busca de aumentar o seu poder.

Para a corrente neo-realista, o equilíbrio de poder alcançado com o fim da Guerra Fria levou à concentração de poder num conjunto de países, em que os Estados Unidos permaneciam como a grande potência, compartilhando o poder com outros países como Alemanha e Japão, potências econômicas na nova redistribuição de poder.
Além disso, o próprio poder se dilui em diversos eixos, seja econômico ou político. Entretanto, nenhuma outra potência foi capaz de rivalizar com os norte-americanos em todos os eixos, reproduzindo a bipolaridade, como apontavam as análises mais principistas.

É justamente a concentração de recursos econômicos em algumas potências que subsidia o argumento realista de que o sistema internacional estatal, e a relação entre elas, continua sendo a estrutura dominante. E a desigualdade de capacidade dos Estados leva ao conflito internacional, resolvido pelo equilíbrio de poder.
Contrariamente à vertente globalista, há poucas divergências entre realistas e neo-realistas que vão analisar as relações interestatais, exclusivamente, pela perspectiva das relações de poder, atribuindo pouca importância à interação da agenda externa – voltada, predominantemente, para questões de segurança cujo foco de preocupação continua sendo a estabilidade do sistema internacional – e os atores domésticos.

Para resumir as principais questões1 levantadas pela perspectiva neo-realista que a colocam como contraponto do debate com os neo-institucionalistas, podemos destacar:

1) A política continua mantendo a sua centralidade e as relações internacionais continuam sendo pautadas pela política de poder.
2) O Estado-nação, tal como foi definido na sua formação original – a partir dos conceitos e territorialidade e centralização de poder –, continua sendo o ator central e definidor do sistema internacional, apesar das transformações impostas pela globalização.
3) A perspectiva realista, portanto, é pessimista no que diz respeito às transformações provocadas pela globalização sobre os interesses dos Estados, e o conceito de sistema internacional, persistindo a percepção de conflito entre os Estados.

Considerações Finais
Nosso objetivo neste artigo foi sintetizar os principais pontos do debate teórico das relações internacionais que se fundamenta sobre duas correntes principais – o neo-realismo e o neo-institucionalismo. A proposta de apresentar os conceitos de cada uma das vertentes nos levou a dar ênfase à apresentação de como elas se contrapõem, à medida que definem os elementos que contribuem para a estabilidade do sistema internacional.

Derivada das percepções divergentes sobre a estrutura do sistema internacional, o papel do Estado e de outros atores internacionais, e das relações entre eles, cada uma das perspectivas teóricas entende de uma maneira o reordenamento internacional que se configura na década de 90, marcado pela mudança do sistema bipolar para um multilateralismo que inclui atores de naturezas diversas.

Nesse sentido, as duas vertentes têm também interpretações diversas sobre o fenômeno e os efeitos da globalização. Enquanto os realistas continuam acreditando na centralidade do Estado e na sua capacidade de definir e de mudar a estrutura do sistema internacional, com base no seu poder político, os globalistas acreditam nas mudanças irreversíveis provocadas pela globalização e na ampliação da capacidade de ação internacional de novos atores internacionais.

Essa perspectiva vem mudar a percepção sobre as possibilidades de cooperação e de estabilidade internacional, contestada pelos neo-realistas. É por esta razão que as alternativas que se discutem atualmente focam justamente no papel das organizações internacionais como espaços capazes de propiciar esta cooperação.

E fica claro que, no âmbito das relações internacionais, a discussão sobre o papel das instituições multilaterais ganha mais espaço à medida que os efeitos da globalização se aprofundam e os países buscam alternativas para participar de forma mais positiva do sistema internacional.

________________________________________________________________________________________________________
(*) J. Carlos Racy é Economista, Cientista Político, Mestre em História (História da Política Externa Brasileira), Doutorando na Área de Estado e Políticas Públicas do IFCH/UNICAMP. Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da FAAP.

Janina Onuki é Cientista Política, Doutoranda em Ciência Política pela USP. Professora de Relações Internacionais da FAAP, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP e Vice-Presidente do Fórum Universitário Mercosul.

1Um resumo didático ds temas de discussão entre céticos e globalistas pode ser encontrado em Held (2001), pág. 92.

Referências Bibliográficas

GRIECO, Joseph. Cooperation among nations. Cornell University Press, 1990.
HELD, D. e McGREW, A. Prós e contras da globalização. Rio: Zahar, 2001.
KEOHANE, R.; NYE, J. Power and Interdependence. 2nd ed. Harper-Collins Publishers, 1989.
KINDLEBERGER, Charles. The World in Depression (1929-1939). Berkeley: University of California Press, 1974.
KRASNER, S. International Regimes. Ithaca: Cornell University, 1982.
MILNER, H. “International political economy: Beyond hegemonic stability”. Foreign Policy. Washington, Spring 1998.
ROSECRANCE, Richard. The Rise of the Trading State: Commerce and Conquest in the Modern World. New York: Basic Books, 1986.
RUGGIE, John. The Limits of European Integration. NY: Columbia University Press, 1983.
WALTZ, K. Theory of International Politics. NY: McGraw-Hill Companies.1979.
YOUNG, O. “International regimes: problems of concept formation”. World Politics, 32 (3): 331-356, april 1980.

Voltar